Fonte: Valor Econômico
Antes mesmo da pandemia, a fome já tinha voltado a crescer no Brasil e chegou a 10,3 milhões de pessoas em 2018, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A crise inédita vivida desde o ano passado quase dobrou esse número: eram 19 milhões de brasileiros no fim de 2020, segundo estudo recente da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), total que já deve ser maior neste início de 2021.
Nesse cenário, proliferaram campanhas de Organizações Não-Governamentais (ONGs) e instituições para ajudar brasileiros que precisam de alimentos. As doações para esses projetos perderam o ímpeto no fim do ano e no início de 2021, diante do cansaço e da expectativa de alguma normalização do quadro. Com a piora da crise sanitária, entidades se esforçam para retomar esta mobilização, especialmente entre as empresas.
Para além do grupo que passa fome, preocupa o contingente com algum grau de insegurança alimentar - sem acesso pleno ou permanente a alimentos -, que ultrapassava metade da população brasileira (116,8 milhões). E os dados se referem ao fim de 2020, quando o auxílio emergencial ainda era pago, mesmo que em valor menor. São pessoas que cortaram a proteína do cardápio, fazem apenas uma refeição por dia ou deixam de comer para ter mais quantidade para os filhos.
Pioneira na luta contra a fome no país, desde antes do programa Fome Zero, a Ação da Cidadania viu as doações recuarem de uma média mensal de cerca de R$ 3,5 milhões em 2020 para perto de R$ 200 mil em janeiro e fevereiro. Em março, lançou uma nova campanha, Brasil Sem Fome, e percebeu reação recente no volume de doações, para R$ 20 milhões, diante da divulgação de dados atualizados sobre insegurança alimentar e notícias sobre o assunto na mídia.
“A situação atual é realmente assustadora. Pelo relatório da rede Penssan, todas as regiões brasileiras já estão com mais de 5% da população em insegurança alimentar grave, que caracteriza fome. Isso confirma que o Brasil vai voltar ao Mapa da Fome, do qual saiu em 2014. A fome vai perdurar pelos próximos anos”, diz o diretor executivo da Ação da Cidadania, Rodrigo Kiko Afonso.
Uma das frentes da Ação da Cidadania tem sido a busca de parcerias para facilitar e impulsionar as doações de pessoas físicas, especialmente com empresas de tecnologia e de meios de pagamentos. O aplicativo da Ifood tem, desde 2017, uma ferramenta permanente para a doação de cestas básicas para a Ação da Cidadania (em perfil, doações), além de refeições prontas e cestas orgânicas, com outras organizações. O app do Ame (B2W) também permite doações. Já o Mercado Livre colocou um ícone em sua página principal com link para uma loja voluntária, onde a pessoa pode escolher diferentes valores para doar. “Todos ganham: a empresa, que se torna um veículo de impacto social, e a sociedade”, ressalta Afonso.
Professor da Uneafro Brasil e um dos apoiadores da campanha Tem Gente Com Fome, Douglas Belchior destaca que empresas de todos os tamanhos podem colaborar. “Campanhas internas, entre os funcionários e suas famílias, ajudam a multiplicar os resultados. As empresas emprestam credibilidade e confiança à campanha”, diz ele. Entidades que participam da campanha ao lado da Coalizão Negra, como Anistia Internacional, Oxfam Brasil, Redes da Maré e Instituto Ethos, ajudam na intermediação com as empresas doadoras.