'Nunca vimos tanta gente com fome', diz filho de Betinho

Fonte: O Globo
 

No mês em que a Ação da Cidadania completa 28 anos, o presidente do conselho, Daniel de Souza, tem um desafio: trazer mais doações para a campanha contra a fome no momento mais grave da pandemia. Herdeiro do legado do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que mobilizou a sociedade civil no combate a miséria e na luta por direitos humanos, Daniel alerta que a solidariedade é o melhor remédio para o combate à fome, mas que o país também precisa de políticas públicas para erradicar a pobreza extrema. Das 45 toneladas arrecadadas de 1993 até o ano passado, 10 toneladas foram doadas só em 2020. No entanto, a ajuda despencou nos últimos três meses, uma queda de 90%, segundo o filho de Betinho.
 

Como sensibilizar as pessoas a doarem na fase mais aguda da pandemia?

A fome não resolve com uma picada da vacina. Todos seremos vacinados, mas ela vai continuar. Estamos preocupados porque, em 28 anos à frente da campanha, nunca vimos tanta gente com fome. As mensagens que recebemos em nossos telefones não para. A fome tem pressa. Daí vem o nosso apelo aos empresários que doem. Não é o que vai resolver, mas servirá de alento para as pessoas, dará esperança.
 

Não resolve, mas ajuda, não?

Sim. Desde o início da campanha "Natal sem Fome", 22 milhões de brasileiros foram beneficiados. Dentro das cestas há 10 quilos de alimentos que são distribuídos para todos os estados brasileiros e o Distrito Federal. Temos infraestrutura para chegar à população ribeirinha, às comunidades quilombolas, aos refugiados em Roraima, às favela cariocas. Temos essa capilaridade, porque contamos com parceiros de peso para isso, mas ainda precisamos de mais ajuda.
 

A segurança alimentar e nutricional é o tema do momento em tempos de pandemia. Como criar uma política pública envolvendo essa questão?

A busca de doações para amenizar a dor de quem sente fome é um trabalho de resistência, ao mesmo tempo que percebemos um retrocesso de 2017 para cá. No ano seguinte, tivemos o desmonte do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) pelo governo federal, quando, em 2014, tínhamos saído do mapa da fome elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Não foi fácil essa passagem. A questão da segurança alimentar depende de vontade política.
 

Qual é a perspectiva no futuro diante dessa pandemia, uma vez que, pessoas que antes doavam, hoje, estão em situação de miséria?

De imediato, a sociedade civil precisa voltar com as ações de solidariedade doando recursos e quilos de alimentos para os mais carentes. Embora a ONU ainda não tenha anunciado o mapa deste ano, tenho certeza que o Brasil vai estar lá, infelizmente. Para evitar uma tragédia, estamos com várias entidades estratégicas para criar uma rede de solidariedade: Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), Programa Mundial de Alimentos (PMA/WFP – World Food Programme), Agência da ONU para Refugiados (Acnur), Fiocruz e outras. Se o Betinho estivesse vivo, tenho certeza, ele iria convocar todo mundo. Só podemos atacar até determina ponto o problema. As pessoas foram perdendo o emprego, mesmo o informal. Empresas fechando, pessoas morrendo. Reverter o quadro atual é difícil. O tecido social que se rompeu levará um tempo para se recuperar. Por isso a importância de políticas públicas eficientes.